Numa luta, roubaram-me a espingarda em Alcântara, pelo que subo o vale zangado e à espera de nova emboscada. A cada carro que passa pela avenida, vale acima, comigo trilhando com o peso da casaco e das botas ensopadas e nada mais que a aljava de couro enegrecido presa por uma corda amarrada à cinta, vou pensando
- Idiotas, são todos uns idiotas, a espantarem os antílopes cruzando os caminhos a toda a brida.
Os outros homens do meu bando, nas árvores secas de Monsanto, há muito não acendem fogueiras, não vejo os seus fumos de dia nem as suas labaredas nocturnas. Caminho pelo vale, deixo Alcântara para trás, limpo outra vez as feridas que tenho na perna esquerda, são pequenas bocas de sangue, será que estancam com a seiva dos limos?
Ando horas sem antílopes, Alcântara é já uma distância e uma memória dessa manhã.
Vejo, de súbito, cornos atrás de arbustos que se mexem, caminho calmamente, cruzo o caminho de alcatrão com riscas brancas, ouço buzinas, alguém me chama nomes, idiotas, são todos uns idiotas, escondo-me atrás da primeira árvore, um tronco demasiado fino, são três animais, ruminam despreocupadamente
- Idiotas, as buzinas vão assustá-los, todos uns idiotas.
Puxo uma seta, humedeço-lhe as fibras, sinto a tensão do arco, ouço o esticar baixinho como um sussurro de um companheiro que me diz não falharás.
Em cheio, o antílope ainda corre assustado duzentos metros para a estrada, tropeça como se as patas lhe escorregassem nas pedras verdes de uma beira-rio, os pneus dos carros chiam, ouço metal que se encosta e vejo sangue escorrer no meio do óleo e do combustível na estrada. Avanço pelo meio, nada disto é comigo, vejo apenas o estrebuchar do antílope entre o fumo, corto-lhe o pescoço, ouço já sirenes ao fundo do vale enquanto faço sinais para Monsanto, envio bocados de sol reflectidos num vidro para o meio da floresta, peço ajuda para levar daqui o animal, pesa de mais para mim.
Ouço sirenes ao fundo do vale, agora mais perto, chove muito mais, pesam-me as roupas e a aljava, arrasto o antílope pelos cornos até uma clareira na berma e descanso até que da floresta desçam para me ajudar.
Sunday, February 8, 2009
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6 comments:
Este é daqueles que ninguém sabe comentar. Gosto desses...
fui agora reler e, mesmo tendo sido eu a escrever, também não sei bem o que comentar. hehe
Tenho saudades dos tempos em que se podiam caçar Tapires em Algés.
Boa bf, afinal deu para comentares!
podes crer.
tapires em algés... heheheh
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