Saturday, December 27, 2008

Popota ou Leopoldina

- Comias mais depressa a Popota ou a Leopoldina?

- Quem?

- As bonecas dos supermercados, qual é que comias?

- Comia, como assim?

- Comias, pá, com qual é que querias coiso e tal em primeiro lugar; qual é a que gostas mais, queres que te faça um desenho?

- Um desenho da Popota? Mas a Popota não é um desenho?

- Pá, vamos lá ver se a gente se entende: há duas bonecas que andam ai nas promoções dos supermercados e nas acções de solidariedade, uma delas é uma hipopótama, a Popota, a outra é uma avestruz, a Leopoldina. Qual é que comias primeiro?

- O feminino de hipopótamo é hipopótamo fêmea, acho que não se diz hipopótama.

- Pronto, está bem, já cá faltava o espertinho. Mas e então: qual é que comias?


- Acho que a Leopoldina, carne de avestruz parece-me melhor do que de hipopótamo.

- Chiça, que é burro! Não estamos a falar de comer bifes, mas sim de comer, de levar para a cama!

- Ah, mas se for para comer bonecas, prefiro a Jessica Rabbit, que ao menos parece uma mulher, tu não?

- Pá, não se pode falar contigo. Olha, eu comia a Popota, já que queres saber.

Pais natais, a gente é que sabe

Destas noites de Natal chega-me uma tristeza qualquer que se mede pelo número de luzes. Muitas luzes são boas, poucas luzes são piores que más, são a coisa mais triste do mundo, como fiozinhos de alegria fingida pelas montras, pendurados num candeeiro de parede de restaurante, ou bolinhas que já sobraram de dez natais.
Mas é quando chego a casa e a tua aliança que parou de rolar precisamente junto à nossa fotografia ali no móvel, sorridentes de antes, antes eternos, não sei como a tua aliança ficou lá em casa e como foi rolar até ali. Não sei sequer, nem quero imaginar, como te saiu a aliança do dedo em primeiro lugar. Para mim é o anel de Sauron.
Este natal vazio de que me lembro, de luzes que piscam nas varandas dos outros e pais natais pendurados em escadas – acho piada aos pais natais pendurados em escadas, muito mais do que a luzes -, vazio aqui dentro, os livros agora deitados nas prateleiras quando antes estavam em pé, agora desamparados pelos que levaste para a tua casa nova e eu fiquei aqui com o que não levaste. Não me levaste a mim. Parece que também eu estou caído numa estante.

Mas esse natal de que me lembro não é este agora em que estás de volta. A nossa foto que nunca saiu dali e a aliança outra vez no teu dedo. Não me levaste a mim, mas voltaste. E o melhor de tudo é que aqui não temos luzes, talvez tenhamos um pai natal pendurado ali fora na janela e eu nem saiba, talvez. É isso que trazes, essa possibilidade das coisas lá fora na janela. Estas conversas que temos: pais natal ou pais natais? parece que pais natal mas concluímos que não devia ser, que pais natais soa bem melhor e são estas vontades de errar que nos unem.
As estantes outra vez cheias, os livros encostados uns aos outros outra vez, lombadas que são espinhas dorsais. Os discos, os discos também, todos outra vez numa festa de natal. As coisas que enchem e esvaziam estas estantes, aparentemente aos ritmos do natal. As coisas que enchem e esvaziam estas estantes, enchem e esvaziam, assim, mil vezes repetido, enchem e esvaziam, enchem, esvaziam, são marés-cheias e vazias na praia da nossa vida. Tanto são as insuportáveis luzinhas da alegria como pais natais - claro que pais natais - pendurados a querer entrar.