Wednesday, October 31, 2007

Michael Stipe contra Nancy Sinatra

If you could see yourself now, baby
It's not my fault
You used to be so in control
You're going to roll right over this one
Just roll me over, let me go
You're laying blame
Take this as no, no, no

I was five and he was six
We rode on horses made of sticks
He wore black and I wore white
He would always win the fight

You bang, bang, bang, bang and bang,
blame, blame, blame
You bang, bang, bang, bang and bang,
It's not my thing so let it go

Bang bang, he shot me down
Bang bang, I hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, my baby shot me down.

Syd Barret contra José Cid, gente que fuma coisas

An effervescing elephant
With tiny eyes, and great big trunk
Once whispered to the tiny ears
The ears of one inferior
That by next june hed die, oh yeah!

Fugiu de Alcácer Quibir
El Rei D. Sebastião
Perdeu-se num labirinto
Com seu cavalo real
As bruxas e adivinhos
Nas altas serras beirãs
Juravam que nas manhãs
De cerrado de nevoeiro
Vinha D. Sebastião

Because the tiger would roam
And the little one said oh my goodness
I must stay at home
And everytime I hear a growl
Ill know the tigers on the prowl
And Ill be really safe you know
The elephant he told me so
And everyone was nervvy, oh yeah!

Pastoras e trovadores
Das regiões litorais
Afirmaram terem visto
Perdido entre os pinhais
El Rei D. Sebastião
Ciganos vindos de longe
Falcatos desconhecidos
Tentando iludir o povo
Afirmaram serem eles
El Rei D. Sebastião
E que voltava de novo

And the message was spread
To zebra, mongoose, and the dirty hippopotamus
Who wollowed in the mud and chewed
His spicy hippoplancton food
And tended to ignore the word
Prefering to survey a herd
Of stupid water bison, oh yeah!
And the jungle took fright
And ran around for all the day and the night
But all in vain because you see
The tiger came and said to me
You know I wouldnt hurt not one of you
I much prefer something to chew
Youre all too scant, oh yeah!
He ate the elephant...

Tuesday, October 30, 2007

Regar a relvinha

Não sendo mulher, sou um simpatizante da masturbação feminina. Se fosse, decerto seria ainda mais.
Congratulo-me com o facto de hoje o tema ser até assunto televisivo, com senhoras de várias gerações a sobreporem-se pelos planos das câmaras, explicando os porquês de se tocarem.

- Os maridos não coiso e tal como deve ser.
- A mulher sabe melhor os sítios para coiso e tal.
- Eu cá faço de conta que o meu dedo é o George Clooney.

Eu, já que mo perguntam, também faço de conta que o meu dedo é o George Clooney quando bebo um café na minha Nespresso e me sinto um gajo do caraças.

Agora, o que me incomoda é que elas, as meninas, que hoje falam de boca aberta sobre pernas abertas, venham com tantos anos de atraso que lhes faltam vocábulos para o que querem dizer, alimentam conversas sem palavras. Não há, simplesmente, expressões que lhes engrandeçam o acto. A única que usam é masturbação, que me soa como algo que se pode fazer numa trituradora.

«Ó Joana, vou grelhar uns bifes para o almoço, masturba aí uns legumes na um-dois-três, por favor».

Nós, os meninos, por exemplo, poderemos ficar semanas a acumular expressões para a masturbação. Vou lembrar algumas, as mais elegantes: punheta, pívia, canhola, sarapitola, afiar o malho, descascar o pessegueiro, afagar o ganso. Só assim, sem pensar muito no assunto, encontro mais do que sinónimos da palavra paz.

Elas, coitadas, precisam de achega no assunto, ao contrário do que pensam. Aqui lhes recomendo cinco expressões para os próximos programas televisivos, sobretudo porque muito provavelmente vou querer vê-los: duplo clique no rato, tocar à campainha, dedilhar a guitarra, regar a relvinha e, a minha preferida, pentear o peluche.

Monday, October 29, 2007

Como todos os traumas, o dele tinha uma génese qualquer. Dizia-se que em miúdo sofrera um acidente de viação, que seguia no banco de trás e a mãe conduzia, guinando o volante ao ritmo do ressonar do pai, dos barulhos monstruosos que lhe escalavam a garganta. Ele colava o nariz à janela, embaciava o vidro, desenhava mundos novos com os dedos, simultaneamente lápis e borrachas.

Mas numa curva o carro não curvou. Ninguém morreu, excepto o carro, que ali ficou para sempre abraçado ao muro de um quintal.

Hoje, ele fala de tudo, um super-herói da discussão: filosofia pré-socrática, as valências do éter, futebol e cantos de mangas arregaçadas, a importância epistemológica do bacalhau com todos, a profundidade do petróleo, o valor do dólar face ao dram, a existência e a intermitência, interpretação de sonhos, traduções de línguas mortas para as linguagens do olhar e do gesto. Mas não de carros.

Um dia disseram-lhe:

- Comprei este veículo, porque dentro do segmento dá-me garantias. Não me dará problemas ao nível do diferencial e do semi-eixo, porque ao nível da transmissão é do melhor que aí anda. E sabes que mais: a junta da cabeça é prova de...

Ele morreu.

Grandes heróis tinham grandes inimigos. Batman enfrentava Joe Chill, Prof. Hugo Strange, The Joker, Catwoman, Clayface, Scarecrow, Penguin, Two-Face, The Riddler, Mad Hatter, Deadshot, Mr. Freeze, Poison Ivy, Man-Bat, Talia al Ghul, Ventriloquist, Scarface…

Ele morreu só assim, de tédio, sem trunfos, batido por um ás do volante.


Ela traficava brindes de jornais na livraria da rua.

- Xiu, não dê estrilho, venha aqui ao canto.

E lá ia eu, perguntar pelo DVD do James Bond que saiu com o Público. Passava por peluches grandes e um aparador com revistas e meia dúzia de brinquedos para a praia que ninguém levou.

- Tenho isso aqui para clientes especiais, ouvi dizer que está esgotado em toda a parte, mas eu tenho aqui meia dúzia para clientes especiais. Você quer ser meu cliente especial?

Eu disse que sim, meio a medo. Tão a medo que consegui dividir a palavra sim em duas sílabas: sí – im.

- Tome lá, leve lá o produto e dê-me cá 7 euros e 85 cêntimos. Até tinha que comprar também o Público de hoje, mas como você é cliente especial, eu deixo-o ir embora assim só por esse preço. É preço para clientes especiais, esse.

Sai da loja, guardei o DVD debaixo do casaco, sabia que tinha o mundo a olhar para mim, que todas as pessoas da rua estavam nas varandas e que as outras, as que não estavam na minha rua, estavam a ver-me também, de uma maneira que eu não sabia como.

Em cada um de nós há um herói que nos morre a cada conversa sem que saibamos porquê e um criminoso que queremos mostrar só um bocadinho.

Fónix, do grego phoînix

Há, para quem nunca reparou nesta evidência, um grupo de portugueses que diz fónix. Fónix não existe, por mais que estes entranhados nas nossas linhagens o queira de outro modo.

- Fónix para isto. – ouço eu.

Pensava, antes, que se referiam a Fénix, do latim phoenice, do grego phoînix, a ave que, queimada, renascia das próprias cinzas.
Contudo, quando comecei a descobrir a expressão noutros encadeamentos, entendi que não.

- Fónix, caralho! Martelei o dedo. – bradou o meu primo.

Tudo aqui mudou de configuração. Primeiro, juntar a divina Fénix a vocábulo tão ordinário, provavelmente proibido, pareceu-me tarefa fora da lógica. Percebi pela primeira vez que Fónix era um desabafo e que tinha de passar a considerar o termo dessa forma.

Essa gente que diz fónix, concluo agora, nada mais quer do que dizer foda-se sem realmente dizer foda-se. É gente que quer ter o prazer do desabafo, mas não assumir a consequência da asneira, é gente que vive numa espécie de coito interrompido linguístico.

Monday, October 15, 2007

Convocam-se todos os caçadores de vampiros

Tudo o que agora vou contar é muito provavelmente verdade. Assisti ontem da janela do meu quarto, pelas névoas da madrugada, a uma reunião de caçadores de vampiros no meu quintal.

Abraham Van Helsing estava meio encostado meio sentado a uma pedra húmida e esverdeada, de chapeú e cabelo sobre os olhos. Sentia-se que despreza a visão como sentido. À sua esquerda, um saco transparente cheio de cabeças com olhos amarelos abertos. Um espanto para lá da morte.

De trás do laranjeiro, que sempre deu laranjas azedas como limões, chegou Buffy. As calças muito justas, a cintura descaída, o penteado de anúncio de shampoo, o decote incontrolável.

- Por aqui, miss? – perguntou-lhe Van Helsing.
- Senti cheiro a vampiros mortos dentro de um saco de plástico.
- É possível, trago aqui sete, estou a acabar o trabalho. Este bairro tem mais do que seria de esperar. Sabe se nesta casa há algum?

Por momentos gelei. Temi que entrassem.

- Não me parece. O dono é um bocado feio, mas longe de se parecer com um vampiro. Além disso, não tem monosobrancelha, sinal evidente de que não é vampiro.
- Foi o que imaginei. Mas sabe melhor do que eu que os vampiros hoje não são o que eram. Nos meus tempos áureos, o nosferatu assumia muitas formas, mas tinha uma essência. Hoje pode ser qualquer coisa, em qualquer lugar.

Buffy aproximou-se da pedra onde descansava Van Helsing, insinuou-se, pareceu roçar-se no ar ao caminhar. Van Helsing manteve-se, experiente, à espera.
Num salto entrou Blade em cena, de óculos escuros, penteado quixotesco, careca no occipital e nos temporais e com um tufo na parte superior do parietal, uma caveira prateada no fato negro.

- Será que este senhor vê mal? Esse fato todo... também traz coquilha? Olhe que andam por aí uns vampiros danados para dar joelhadas...

Buffy não gostou que Blade tivesse chegado, parou no caminho que levava para Van Helsing.

- Ao menos tire os óculos escuros para falar com as pessoas. Ah, é verdade, espere, você também tem o teu quê de vampiro, estou correcto? Uma réstia genética, creio. Incomoda-se que acenda o isqueiro para queimar o cigarro ou a luzinha far-lhe-á dói-dói?

Blade nada disse, segurou a custo o ar indiferente.

- Que estão vocês aqui a fazer neste quintal? – perguntou apenas.
- Eu descansava, agora já não. Esta jovem, ignoro. Mas gostava de saber... – respondeu Van Helsing.
- Isso é lá com vocês, não me atrapalhem. Eu estou aqui em trabalho, ouvi dizer que havia um vampiro nesta casa.

Pensei meter-me para dentro e continuar a dormir, mas tudo era demasiado real para ser ignorado e continuei à espreita. A minha mulher chegou por trás, perguntou-me baixinho.

- Que se passa? Não tens sono?

E eu:

- Xiu, calada, não vês que temos caçadores de vampiros no quintal.

E ela:

- Está bem.

Assim que Blade começou a andar na direcção da minha casa, Buffy saltou para a sua frente, cortou-lhe o pescoço com um pontapé. Não sabia que se podiam cortar pescoços ao pontapé, mas podem. E é tudo provavelmente verdade. Blade desfez-se numa papa semi-vampiresca no chão, o meu cão saiu da casota e fez uma mijinha mesmo ao lado.

- Agora que este cromo está despachado, vamos a coisas mais sérias, velhote... Tens algo que eu preciso...

Dizendo isto, Buffy começou a despir-se, tirou a roupa muito lentamente, tão lentamente que a sua leve blusa parecia ter o peso de um sobretudo molhado.

E a minha mulher:

- Acho que já chega de espreitares, não?...

E eu:

- Xiu, calada, caçadores de vampiros.

Buffy sentou-se em cima de Van Helsing, frenética, em lampejos de luxúria. Helsing correspondeu, entendido, sempre encostado à pedra húmida. Buffy, numa reacção de entusiasmo, cravou as unhas nas costas do holandês e mordeu-lhe o ombro para não gritar. Van Helsing saltou de imediato para trás e cravou-lhe uma estaca de Madeira no peito. Anos e anos de convívio com vampiros nunca o deixaram muito à-vontade com dentadas.

Van Helsing, ainda ofegante, parou a olhar para o meu telhado, de onde voou um vampiro de asas muito abertas e olhos vermelhos.

- Caro Van Helsing... Vocês e as suas rodelas de alho, cruzes, estacas de madeira. Fique a saber que não posso morrer de qualquer das maneiras através das quais vocês possa tentar matar-me.

- Muita confiança na matéria, sobretudo vinda de alguém que nem sequer está vivo.

Dito, isto, Van Helsing puxou de um sabre de luz e cortou o vampiro em dezenas de bocados. Virou-se para a minha janela e disse-me: «Que a Força esteja contigo.»

E ela:

- Anda dormir.

E eu:

- Está bem.