Monday, October 15, 2007

Convocam-se todos os caçadores de vampiros

Tudo o que agora vou contar é muito provavelmente verdade. Assisti ontem da janela do meu quarto, pelas névoas da madrugada, a uma reunião de caçadores de vampiros no meu quintal.

Abraham Van Helsing estava meio encostado meio sentado a uma pedra húmida e esverdeada, de chapeú e cabelo sobre os olhos. Sentia-se que despreza a visão como sentido. À sua esquerda, um saco transparente cheio de cabeças com olhos amarelos abertos. Um espanto para lá da morte.

De trás do laranjeiro, que sempre deu laranjas azedas como limões, chegou Buffy. As calças muito justas, a cintura descaída, o penteado de anúncio de shampoo, o decote incontrolável.

- Por aqui, miss? – perguntou-lhe Van Helsing.
- Senti cheiro a vampiros mortos dentro de um saco de plástico.
- É possível, trago aqui sete, estou a acabar o trabalho. Este bairro tem mais do que seria de esperar. Sabe se nesta casa há algum?

Por momentos gelei. Temi que entrassem.

- Não me parece. O dono é um bocado feio, mas longe de se parecer com um vampiro. Além disso, não tem monosobrancelha, sinal evidente de que não é vampiro.
- Foi o que imaginei. Mas sabe melhor do que eu que os vampiros hoje não são o que eram. Nos meus tempos áureos, o nosferatu assumia muitas formas, mas tinha uma essência. Hoje pode ser qualquer coisa, em qualquer lugar.

Buffy aproximou-se da pedra onde descansava Van Helsing, insinuou-se, pareceu roçar-se no ar ao caminhar. Van Helsing manteve-se, experiente, à espera.
Num salto entrou Blade em cena, de óculos escuros, penteado quixotesco, careca no occipital e nos temporais e com um tufo na parte superior do parietal, uma caveira prateada no fato negro.

- Será que este senhor vê mal? Esse fato todo... também traz coquilha? Olhe que andam por aí uns vampiros danados para dar joelhadas...

Buffy não gostou que Blade tivesse chegado, parou no caminho que levava para Van Helsing.

- Ao menos tire os óculos escuros para falar com as pessoas. Ah, é verdade, espere, você também tem o teu quê de vampiro, estou correcto? Uma réstia genética, creio. Incomoda-se que acenda o isqueiro para queimar o cigarro ou a luzinha far-lhe-á dói-dói?

Blade nada disse, segurou a custo o ar indiferente.

- Que estão vocês aqui a fazer neste quintal? – perguntou apenas.
- Eu descansava, agora já não. Esta jovem, ignoro. Mas gostava de saber... – respondeu Van Helsing.
- Isso é lá com vocês, não me atrapalhem. Eu estou aqui em trabalho, ouvi dizer que havia um vampiro nesta casa.

Pensei meter-me para dentro e continuar a dormir, mas tudo era demasiado real para ser ignorado e continuei à espreita. A minha mulher chegou por trás, perguntou-me baixinho.

- Que se passa? Não tens sono?

E eu:

- Xiu, calada, não vês que temos caçadores de vampiros no quintal.

E ela:

- Está bem.

Assim que Blade começou a andar na direcção da minha casa, Buffy saltou para a sua frente, cortou-lhe o pescoço com um pontapé. Não sabia que se podiam cortar pescoços ao pontapé, mas podem. E é tudo provavelmente verdade. Blade desfez-se numa papa semi-vampiresca no chão, o meu cão saiu da casota e fez uma mijinha mesmo ao lado.

- Agora que este cromo está despachado, vamos a coisas mais sérias, velhote... Tens algo que eu preciso...

Dizendo isto, Buffy começou a despir-se, tirou a roupa muito lentamente, tão lentamente que a sua leve blusa parecia ter o peso de um sobretudo molhado.

E a minha mulher:

- Acho que já chega de espreitares, não?...

E eu:

- Xiu, calada, caçadores de vampiros.

Buffy sentou-se em cima de Van Helsing, frenética, em lampejos de luxúria. Helsing correspondeu, entendido, sempre encostado à pedra húmida. Buffy, numa reacção de entusiasmo, cravou as unhas nas costas do holandês e mordeu-lhe o ombro para não gritar. Van Helsing saltou de imediato para trás e cravou-lhe uma estaca de Madeira no peito. Anos e anos de convívio com vampiros nunca o deixaram muito à-vontade com dentadas.

Van Helsing, ainda ofegante, parou a olhar para o meu telhado, de onde voou um vampiro de asas muito abertas e olhos vermelhos.

- Caro Van Helsing... Vocês e as suas rodelas de alho, cruzes, estacas de madeira. Fique a saber que não posso morrer de qualquer das maneiras através das quais vocês possa tentar matar-me.

- Muita confiança na matéria, sobretudo vinda de alguém que nem sequer está vivo.

Dito, isto, Van Helsing puxou de um sabre de luz e cortou o vampiro em dezenas de bocados. Virou-se para a minha janela e disse-me: «Que a Força esteja contigo.»

E ela:

- Anda dormir.

E eu:

- Está bem.

11 comments:

Maria João said...

Crazy, crazy people...

Lunatic on the grass said...

hehehe. realmente, já devo ter tido melhores dias ao nível da sanidade mental, hehehehe.

Anonymous said...

Is there anybody out there,Pink?
Weird stuff!
Ass: Arnold Layne

Lunatic on the grass said...

Arnold Layne: The truth is out there. Out there in the bushes.

Maria João said...

Já viste que pintaram o muro da Cátia Rosa!?

Quando é que escreves um livro?

Lunatic on the grass said...

arnold: bem podes crer. Tu sabes das cenas.

maria joão: já vi, já vi, pintaram. pintar aquele muro é aquilo a que eu chamo uma tremenda falta de respeito, mas pronto, é a sociedade que temos.
Livro? Já tenho um, mas não é fácil publicar, ando a ver se consigo, não conheço muita gente na área, ando pelo circuito normal de envio para editoras. Se conseguir darei novidades.

Maria João said...

Boa! Espero que consigas, que eu quero esse livro na minha mão!

Bruno Martins said...

Na garagem por baixo da minha casa há "mecânicos" que "trabalham" apenas aos sábados de manhã a partir das sete. Ouve-se muito o "acelerar de motores#... tenho dúvidas que sejam carros... só ao sábado de manhã? Tornava insustentável um negócio...

Lunatic on the grass said...

Bruno: Esses mecânicos, a mim não me enganam eles: só podem ser vampiros, gente que snifa escapes e bebe óleo do motor, que lambe aquela vareta de medição, sacanas, não me enganam. Vou caçá-los.

maria joão: a ver, a ver se me publicam. eu mereço, o que escrevi merece, mas não tem sido fácil. Mas vão ter de levar comigo mais cedo ou mais tarde.

bf said...

Muito, mas mesmo MUITO, bom...
ou como se escreve em alguns jornais...

Muito... mas... mesmo... MUITO... bom...

Lunatic on the grass said...

Bf: Obrigado...mas...mesmo...MUITO...obrigado. hehehehe