Wednesday, May 30, 2007

O dono da arte

Estreito e mal vestido, dirigiu-se à caixa. Quem o visse pelo ecrã do circuito fechado prendê-lo-ia assim que sacasse da eventual pistola. À sua frente, o livro As 30 Melhores Saladas para Agosto levava uma senhora pela mão.
- Olá, boa tarde, quanto custa isto?
- Isto o quê? – perguntou a menina da caixa, de cérebro a voar nos balões de pastilha que lhe cresciam da boca.
- Isto tudo, a loja inteira, livros, discos, tudo.
- Ah, vou é demorar um bocadinho a fazer a conta, sabe que temos muita coisa em stock e isso. Mas quer tudo mesmo? Coisas repetidas?
A menina começou a somar: dez mil trezentos e vinte e quatro discos, oito mil vídeos, dezasseis mil e dois livros.
- Treze mil duzentos e noventa e nove euros. Tem cartão Fnac?
- Não.
- Como é que quer levar as coisas?
- Fica aqui, vocês é que se vão todos embora, faço disto sala de estar.

Tinha obsessão pelas colecções, o rapaz. Queria tudo o que via, desde que completo e organizado. Enriqueceu um dia com números certos cruzados e riscados num papel, atirou-se às outras colecções que lhe faziam falta. As ideias que tinha em si, porém, juntas e desordenadas, foram-lhe roubando capacidade de processamento e foi-se embora aos poucos em pensamentos perdidos do mundo e compras das ideias dos outros. Nunca foi o artista que quis ser e vingou-se, vendo-se um dia, à saída da loja, dono de toda a arte.

1 comment:

Anonymous said...

Gostei :) Seriouly? Seriously! Pronto... só para deixar a opinião! Beijinhos. Isa.