Sunday, May 20, 2007

Quantidade de coisas

Não havia coisas suficientes. Ficava-se ali, dactilógrafo do nada, de lápis na mão atento aos ditados do vento. A mãe, da cozinha, o cheiro a alho nos bifes: Jantar, venham jantar, vai chamar o teu pai à sala.
No caminho até à mesa desviava-se dos barulhos, estava tudo desligado, as notícias da televisão, o pai a dizer que não via o filho estudar há tempos, silêncios em cima uns dos outros, concertados, orquestrados pela mão que cortava infantilmente o vento e fazia zum com o lápis marcado pelos dentes.

Há coisas de mais. Com tanta coisa para se escrever, apetece fazê-lo sobre os tempos em que nada havia, quando tudo parecia escrito e qualquer ideia era repetida. As folhas morriam riscadas. Se houvesse um cemitério desses tempos, era lá que nascia o vento, entre as lápides da imaginação. Quando há coisas de mais parece que nada interessa. Mais depressa se lê uma folha em branco do que outra cheia de nada.

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