O doente sentou-se na cadeira de plástico e procurou entre os papéis da mesa um espaço para os cotovelos.
- Doutor, o que se passa comigo é que era uma vez uma grande ideia de que nunca alguém se tinha lembrado. Por isso a ideia foi-se embora, desiludida consigo mesma por nunca se ter conseguido mostrar. E depois, doutor, depois de se ter ido embora para sempre dizem que morreu sozinha num sítio muito sozinho.
- Meu caro, temo não estar a ver onde pretende chegar, julguei que lhe doíam as costas.
- Tudo o que restou dela é um singelo começo, uma memória, uma expressão «era uma vez». E desde a morte dessa grande ideia todos quantos começam uma outra começam com era uma vez, doutor, à espera que a sua seja a certa, tentando chamá-la, à procura. Mas eu acho, doutor, que nunca ninguém conseguiu lembrar-se dessa ideia, essa ideia que ninguém conseguiu salvar do abismo das outras coisas sempre iguais. Doutor.
- Você está bêbado?
- Dizem os médicos, diz você, doutor, que o álcool não pode trazer criatividade, que pelo contrário. Provoca no corpo uma libertação, doutor, que nos torna disponíveis e confiantes para criar. Tudo bem, doutor, doutor, aceito isso de estar bêbado, tudo bem, doutor, aceito, o doutor sabe que eu aceito. Aceito até, se o doutor quiser, que o Revolver, o Peppers, o Rubber... aceito, doutor, que teriam sido melhores se Lennon e McCartney estivessem sóbrios. Mas diga-me lá, doutor, você que não está bêbado, doutor, poderiam os Beatles ter sido melhores?
Wednesday, November 12, 2008
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3 comments:
E aposto que os álbuns não eram nada melhores com eles sóbrios!
claramente que não, hehe.
não queremos cá ninguém sóbrio. Aliás, logo à noite, vou deitar fora toda a música sóbria que tiver lá...
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