Monday, November 17, 2008

Ela tão triste

Ela queria compor a música mais triste de sempre, que só por si despressurizasse. E ouvia Down in a hole de Alice in Chains e logo Mother de Pink Floyd, repetidamente pela noite dentro e pela noite fora, que são estranhamente a mesma coisa no que respeita às noites; logo as noites só podem ser uma fronteira sem fora nem dentro, um caminho a seguir sem lados; enquanto as velas de chamas negras no seu quarto lutavam por espaço no negrume do próprio ar e os cheiros do frio dezembrês chegavam uninvited da janela e a anestesiam a cada inspiração.

Dedilhava na guitarra como quem tocava feridas, doíam-lhe as cordas nas pontas dos dedos bem como lhe doíam os sons nos ossos, um distorcer que só existe na música, porque distorcer, fora da música, é forçosamente endireitar.

Apenas a música mais triste de sempre e de repente o Down in a hole e o Mother a tocarem ao mesmo tempo em rádios diferentes

Down in a hole and I dont know if I can be saved

Mother, do you think they’ll drop the bomb?
Mother, do you think they’ll like this song?

See my heart I decorate it like a grave
You dont understand who they
Thought I was supposed to be
Look at me now a man
Who wont let himself be

Mother, do you think they'll try to break my balls?
Ooooowaa mother, should I build a wall?

Down in a hole, feelin so small
Down in a hole, losin my soul
I'd like to fly,
But my wings have been so denieeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeed

como se juntas formassem uma coisa mais triste ainda. Será que duas tristezas se juntam numa mesma ou uma ocupa o lugar da outra? E as lágrimas que lhe iam correndo pela cara sem saber porquê, que como escreveu Saramago eram um sangue branco. Não há certamente melhor maneira de dizer isto: sangue branco.

Havia ali um conforto de estar triste que não pode ter explicação, uma dor de solidão, um ar pesado à volta, um ar empedrado que nem respirado se suavizava, que não se partia, um ar irrespirável é um ar morto.

Apenas a música mais triste de sempre. Deveria ser tão fácil de tão triste que ela estava e de mais triste que desejava estar ainda. Era uma entrega à tristeza para poder ter a tal música. Mas nada. Aquele desejo de estar triste foi plenamente conseguido e nessa obtenção de tristeza estava toda uma alegria alcançada que deitava tudo o resto a perder. Querer estar triste e conseguir dá nisso: na alegria de o ter conseguido.

Era para ser a música mais triste de sempre, mas jamais ela pensara ser tão difícil criar assim, como o Down in a hole ou como o Mother, uma tristeza que tocasse a todos sempre que escutada num rádio, escrita por alguém que queria estar triste e nem isso deve ter conseguido.

6 comments:

innocent bystander said...

ó jovem, as miúdas, pela minha experiência, não ouvem pink floyd...

Lunatic on the grass said...

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innocent bystander said...

não me parece que estejam a ouvir seja o que for... :-)

Rita said...

Já se percebeu por que raio a moça não compõe, não é? Anda a ouvir a música errada, eh eh eh....

Anonymous said...

Ela devia estar era a ouvir o Awake, dos Dream Theater. Não há nada mais triste...

Lunatic on the grass said...

Anonymous: é uma boa ideia, sim