Era criança e jurava que o meu pai vinha do urso e não do macaco, tal o tapete que lhe cobria peito e costas. O pêlo intriga-me. Li que no futuro iremos perdê-lo, é desnecessário, tem insignificante influência no aquecimento corporal, é um resto do que fomos, grudado até que varrido pelas baforadas dos milénios vindouros. Nem as sobrancelhas sobrarão na raça, seremos pálida mancha de pele.
Acho, assim: tenho menos e sou mais evoluído que o meu pai, que por si era mais evoluído que o urso. Este atalho genealógico, convenho, desabona-me. Acontece que o cabelo ainda é, entendo, importante magneto da espécie. Reparem, tudo junto, como pode condicionar a reprodução: penteado, pêlo no sovaco, nas pernas, na púbis, sobrancelha de fino risco, rímel na pestana. Não há pêlos inferiores, todos participam.
Da minha parte: cabelo curto, rapado ou comprido, barba feita ou rarefeita, caracóis no peito, ter ou não nas costas, são parâmetros que atraem ou repelem a fêmea. Em parte, somos pêlos. Quando se forem, passaremos a ponte que segue da identidade para o simplesmente idêntico.
Relembro, a propósito de identidade, que um puto se sente homem pela primeira vez ao ver um urso que faz a barba de manhã e nos põe espuma na bochecha para, depois, raspar a lâmina na pele imberbe. O pai, de seguida, sai para o trabalho, a mãe dorme. Não há problema, porque fica o outro urso da casa a tomar conta, ainda que tenha seis anos. Que o futuro não me leve os pêlos.
Sunday, March 25, 2007
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