Sunday, April 13, 2008

Os olhos não têm idade: que estupidez

Aos 14 vens cá a casa lanchar e estudar para o teste. Nunca gostei tanto de trigonometria. És um co-seno, eu um seno. Apresso-me a esconder no meu próprio quarto qualquer vestígio de mim. Tudo em mim me envergonha aos teus olhos verdes: procuro qualquer coisa que te impressione para colar na parede. Quero gostar do mesmo que tu. Quero que me sintas mais velho, experiente.

Aos 42 procuro-me exactamente. Quero que me entendas como homem, não como pai ou filho. E ver-te a ti assim também, mulher, não mãe ou filha. São idades delicadas: qualquer entendimento mais para cima ou para baixo, mais para velho ou novo, nos pode afastar como estradas num cruzamento.

Aos 81 quero esconder de ti qualquer sinal do tempo. Guardo os relógios da casa e dos pulsos. Peço ao sol que não trace cones de luz pela janela, para que não detectes as horas que só batem desta forma aqui na sala. O sexo que morreu e é hoje um desejo vago, apenas uma brisa que passa numa fotografia que é um buraco no tempo em cima da cómoda, nós bronzeados na praia, cheiramos a atracção um pelo outro, temos olhares de animais. Estico as peles dos braços quando me dispo para vestir o pijama, abro os olhos para que se tornem maiores se calhas a olhar-me fixamente, falo mais alto para te soar forte. Quero ser novo para ti outra vez.

A minha idade, mulher. Desde os meus 14 anos que conto a minha idade pelos teus olhos e ainda noutro dia li num livro que os olhos são a única coisa sem idade.

3 comments:

Alexandre Pereira said...

Feliz de quem tem olhos em frente para ajudarem a contar o tempo, amigo

Lunatic on the grass said...

e sempre em frente, sempre em frente. abraço

bf said...

Feliz de quem não desbarata os olhos que se lhe oferecem e que tanto tempo têm para lhe dar a contar...