Wednesday, April 30, 2008
South Park, muito muito obrigado por estas e por outras
«I just don't trust anything that bleeds for five days and does not die»
Sala de não estar
- ora bem, temos aqui o segundo quarto, que como podem ver é maior que o primeiro e tem a varandinha. E aqui ao fundo a sala de não estar.
- desculpe, disse a sala de não estar?
- sim, é um conceito novo, é por isso que a casa é um bocadinho mais cara.
- mas como assim?
- a sala de não estar é, como o nome indica uma sala a evitar.
- mas serve para quê?
- para não estar, ao contrário de uma banal sala de estar. Mas essa vocês já viram.
- sim, claro, a sala de estar. Mas para que raio preciso eu de uma sala de não estar?
- bem, como me parece evidente, é uma sala onde não precisa de ir, não tem de se preocupar com isso. É uma vantagem. Olhe bem lá para dentro, mas não passe daqui da porta atenção. Veja: nada se passa nesta sala, que silêncio invejável, que descanso. Eu tenho uma assim no meu apartamento.
(a mulher interrompe a conversa e diz para o marido: João, vamos embora que este gajo é maluquinho, vá, anda, vamos ver a outra no Cacém)
- desculpe, disse a sala de não estar?
- sim, é um conceito novo, é por isso que a casa é um bocadinho mais cara.
- mas como assim?
- a sala de não estar é, como o nome indica uma sala a evitar.
- mas serve para quê?
- para não estar, ao contrário de uma banal sala de estar. Mas essa vocês já viram.
- sim, claro, a sala de estar. Mas para que raio preciso eu de uma sala de não estar?
- bem, como me parece evidente, é uma sala onde não precisa de ir, não tem de se preocupar com isso. É uma vantagem. Olhe bem lá para dentro, mas não passe daqui da porta atenção. Veja: nada se passa nesta sala, que silêncio invejável, que descanso. Eu tenho uma assim no meu apartamento.
(a mulher interrompe a conversa e diz para o marido: João, vamos embora que este gajo é maluquinho, vá, anda, vamos ver a outra no Cacém)
Sunday, April 13, 2008
Os olhos não têm idade: que estupidez
Aos 14 vens cá a casa lanchar e estudar para o teste. Nunca gostei tanto de trigonometria. És um co-seno, eu um seno. Apresso-me a esconder no meu próprio quarto qualquer vestígio de mim. Tudo em mim me envergonha aos teus olhos verdes: procuro qualquer coisa que te impressione para colar na parede. Quero gostar do mesmo que tu. Quero que me sintas mais velho, experiente.
Aos 42 procuro-me exactamente. Quero que me entendas como homem, não como pai ou filho. E ver-te a ti assim também, mulher, não mãe ou filha. São idades delicadas: qualquer entendimento mais para cima ou para baixo, mais para velho ou novo, nos pode afastar como estradas num cruzamento.
Aos 81 quero esconder de ti qualquer sinal do tempo. Guardo os relógios da casa e dos pulsos. Peço ao sol que não trace cones de luz pela janela, para que não detectes as horas que só batem desta forma aqui na sala. O sexo que morreu e é hoje um desejo vago, apenas uma brisa que passa numa fotografia que é um buraco no tempo em cima da cómoda, nós bronzeados na praia, cheiramos a atracção um pelo outro, temos olhares de animais. Estico as peles dos braços quando me dispo para vestir o pijama, abro os olhos para que se tornem maiores se calhas a olhar-me fixamente, falo mais alto para te soar forte. Quero ser novo para ti outra vez.
A minha idade, mulher. Desde os meus 14 anos que conto a minha idade pelos teus olhos e ainda noutro dia li num livro que os olhos são a única coisa sem idade.
Aos 42 procuro-me exactamente. Quero que me entendas como homem, não como pai ou filho. E ver-te a ti assim também, mulher, não mãe ou filha. São idades delicadas: qualquer entendimento mais para cima ou para baixo, mais para velho ou novo, nos pode afastar como estradas num cruzamento.
Aos 81 quero esconder de ti qualquer sinal do tempo. Guardo os relógios da casa e dos pulsos. Peço ao sol que não trace cones de luz pela janela, para que não detectes as horas que só batem desta forma aqui na sala. O sexo que morreu e é hoje um desejo vago, apenas uma brisa que passa numa fotografia que é um buraco no tempo em cima da cómoda, nós bronzeados na praia, cheiramos a atracção um pelo outro, temos olhares de animais. Estico as peles dos braços quando me dispo para vestir o pijama, abro os olhos para que se tornem maiores se calhas a olhar-me fixamente, falo mais alto para te soar forte. Quero ser novo para ti outra vez.
A minha idade, mulher. Desde os meus 14 anos que conto a minha idade pelos teus olhos e ainda noutro dia li num livro que os olhos são a única coisa sem idade.
Wednesday, April 9, 2008
Discutia com um amigo as diferenças entre cagar e foder. Claro. Apressei-me a esclarecê-lo, sapientemente:
- Foder é uma designação ordinária para definir uma relação sexual, quando o pénis entre na vagina e ...
Ele interrompeu-me:
- Eu sei o que é foder, pá!
Deixar uma explanação a meio é para mim quase ultrajante, não posso parar:
- ... e cagar no fundo é uma necessidade fisiológica de excreção e...
Ele bateu com a mão no tampo da mesa, salpicou-me de café e foi-se embora. As outras pessoas na esplanada repararam. Tenho alguns amigos sem maneiras.
Ainda assim, aqui fica a explicação que ia dar-lhe, em quatro simples tópicos orientadores.
Do prazer
Ambas as coisas são, penso, reconhecidamente agradáveis. No que à primeira respeita, desde os preliminares ao orgasmo há todo um sentimento de evolução que resulta em libertação. No que à segunda respeita, também.
Ora vejamos – e aqui vou entrar em aspectos da minha vida privada que espero não vos ofendam os bons costumes: gosto de levar um livro, de ficar a ler até que finalmente me lembro do verdadeiro motivo que ali me levou e de sentir o alcançar de um propósito.
Da necessidade
Cagar é uma necessidade fisiológica, incontrolável. Quem não quiser cagar, acabará por se cagar inevitavelmente. É melhor cagar do que cagar-se.
Já foder é uma urgência natural, mas não tão incontornável. Empregando uma linguagem corrente no meio filosófico: o foder é necessário, sim, mas o cagar é forçoso, é o que não pode deixar de acontecer.
É por isso que foder é encontrar e cagar é perder. Contudo, de ambas as coisas se pode, de facto, retirar o gosto de um alívio. Assim de repente, no que a alívios concerne, tanto foder como cagar equivalem ao último lance de uma final europeia em que estamos a ganhar 1-0 e debaixo de insuportável pressão e um defesa nosso saca uma bola de cima da linha de golo.
Da ausência
Quem passa grandes temporadas sem foder chega ao ponto de dizer que deixa de lhe sentir a falta. Confesso que nunca estive muito tempo numa penúria de tal ordem – afinal, parecendo que não, onze anos, quatro meses e três dias passam num instante – mas acredito.
Aqui é evidente a diferença relativamente ao cagar: ninguém sente vontade de voltar a cagar, excepto se questões do foro da prisão de ventre nos provocarem uma certa abstinência forçada.
Da mistura
Vi num sítio chamado internet que há gente que misturas as duas coisas ao mesmo tempo, enquanto uma e outra decorrem, e, por incrível que pareça, em simultâneo: cagar e foder.
Perdoem-me, todavia há coisas de que não falo sem a presença do meu advogado.
- Foder é uma designação ordinária para definir uma relação sexual, quando o pénis entre na vagina e ...
Ele interrompeu-me:
- Eu sei o que é foder, pá!
Deixar uma explanação a meio é para mim quase ultrajante, não posso parar:
- ... e cagar no fundo é uma necessidade fisiológica de excreção e...
Ele bateu com a mão no tampo da mesa, salpicou-me de café e foi-se embora. As outras pessoas na esplanada repararam. Tenho alguns amigos sem maneiras.
Ainda assim, aqui fica a explicação que ia dar-lhe, em quatro simples tópicos orientadores.
Do prazer
Ambas as coisas são, penso, reconhecidamente agradáveis. No que à primeira respeita, desde os preliminares ao orgasmo há todo um sentimento de evolução que resulta em libertação. No que à segunda respeita, também.
Ora vejamos – e aqui vou entrar em aspectos da minha vida privada que espero não vos ofendam os bons costumes: gosto de levar um livro, de ficar a ler até que finalmente me lembro do verdadeiro motivo que ali me levou e de sentir o alcançar de um propósito.
Da necessidade
Cagar é uma necessidade fisiológica, incontrolável. Quem não quiser cagar, acabará por se cagar inevitavelmente. É melhor cagar do que cagar-se.
Já foder é uma urgência natural, mas não tão incontornável. Empregando uma linguagem corrente no meio filosófico: o foder é necessário, sim, mas o cagar é forçoso, é o que não pode deixar de acontecer.
É por isso que foder é encontrar e cagar é perder. Contudo, de ambas as coisas se pode, de facto, retirar o gosto de um alívio. Assim de repente, no que a alívios concerne, tanto foder como cagar equivalem ao último lance de uma final europeia em que estamos a ganhar 1-0 e debaixo de insuportável pressão e um defesa nosso saca uma bola de cima da linha de golo.
Da ausência
Quem passa grandes temporadas sem foder chega ao ponto de dizer que deixa de lhe sentir a falta. Confesso que nunca estive muito tempo numa penúria de tal ordem – afinal, parecendo que não, onze anos, quatro meses e três dias passam num instante – mas acredito.
Aqui é evidente a diferença relativamente ao cagar: ninguém sente vontade de voltar a cagar, excepto se questões do foro da prisão de ventre nos provocarem uma certa abstinência forçada.
Da mistura
Vi num sítio chamado internet que há gente que misturas as duas coisas ao mesmo tempo, enquanto uma e outra decorrem, e, por incrível que pareça, em simultâneo: cagar e foder.
Perdoem-me, todavia há coisas de que não falo sem a presença do meu advogado.
Wednesday, April 2, 2008
Filho DA puta, filho DE puta ou FILHA da puta?
Ia para ofender um determinado ser num dia destes, quando o meu cérebro parou para congeminar a melhor ofensa possível dentro de um fim que era o por mim desejado: chamar-lhe seu grandessíssimo filho da puta. Enquanto parado analisou todas as diferenças possíveis dentro de uma ofensa com estes parâmetros. Vejamos:
Filho da puta: um clássico. Pretende-se, simplesmente, atribuir má fama à mãe do visado. Depreende-se que a progenitora do sujeito era prostituta e que o deu à luz sendo este, logicamente, filho da puta. Parece-me evidente.
Filho de puta: variante mais ofensiva do que a clássica. Enquanto filho da puta é perfeitamente determinado – é filho da puta, daquela puta, de uma puta que se sabe quem é e que, em casos mais avançados, podé até ser denominada –, a expressão filho de puta é claramente mais marcante. Um filho de puta é filho de uma puta qualquer. É como saber que a mãe é puta mas ser essa, no fundo, a única informação disponível sobre uma mãe que, a bem dizer, não se conhece. Mais do que ser filho da puta, o filho de puta é filho do próprio acto de prostituição, é um filho do conceito.
Filha da puta: a alternativa com variação de género. Inicialmente poderá induzir o visado em erro: «Mas eu sou um homem e este magano está a chamar-me filha da puta?». Mas não há aqui qualquer erro, é um ataque perfeitamente deliberado. Apelidar um vulgar filho da puta de filha da puta pode ter duas interpretações. Há, aliás, duas escolas de ensinamento da matéria.
A Escola Homofóbica entende a ofensa como uma clara tentativa de magoar duplamente o visado que, com a expressão filha da puta, será em simultâneo filho da puta e homossexual, uma vez que o seu género foi deliberadamente confundido pelo ofensor.
Circula, no entanto, outra escola, a Geracional, ramo que, mais ligado ao vocabulário de rua, entende a passagem de filho para filha como uma questão de descendência. Isto é: a mãe do ofendido era tão puta que o filho, mesmo sendo homem, é, como a mãe, também ele um pouco puta e por isso é ofendido como filha da puta. Resumindo: é ser filho da puta e puta coincidentemente.
Assim que o meu cérebro voltou a trabalhar acabei por não lhe chamar nada porque no final de contas sou de uma educação inatacável.
Filho da puta: um clássico. Pretende-se, simplesmente, atribuir má fama à mãe do visado. Depreende-se que a progenitora do sujeito era prostituta e que o deu à luz sendo este, logicamente, filho da puta. Parece-me evidente.
Filho de puta: variante mais ofensiva do que a clássica. Enquanto filho da puta é perfeitamente determinado – é filho da puta, daquela puta, de uma puta que se sabe quem é e que, em casos mais avançados, podé até ser denominada –, a expressão filho de puta é claramente mais marcante. Um filho de puta é filho de uma puta qualquer. É como saber que a mãe é puta mas ser essa, no fundo, a única informação disponível sobre uma mãe que, a bem dizer, não se conhece. Mais do que ser filho da puta, o filho de puta é filho do próprio acto de prostituição, é um filho do conceito.
Filha da puta: a alternativa com variação de género. Inicialmente poderá induzir o visado em erro: «Mas eu sou um homem e este magano está a chamar-me filha da puta?». Mas não há aqui qualquer erro, é um ataque perfeitamente deliberado. Apelidar um vulgar filho da puta de filha da puta pode ter duas interpretações. Há, aliás, duas escolas de ensinamento da matéria.
A Escola Homofóbica entende a ofensa como uma clara tentativa de magoar duplamente o visado que, com a expressão filha da puta, será em simultâneo filho da puta e homossexual, uma vez que o seu género foi deliberadamente confundido pelo ofensor.
Circula, no entanto, outra escola, a Geracional, ramo que, mais ligado ao vocabulário de rua, entende a passagem de filho para filha como uma questão de descendência. Isto é: a mãe do ofendido era tão puta que o filho, mesmo sendo homem, é, como a mãe, também ele um pouco puta e por isso é ofendido como filha da puta. Resumindo: é ser filho da puta e puta coincidentemente.
Assim que o meu cérebro voltou a trabalhar acabei por não lhe chamar nada porque no final de contas sou de uma educação inatacável.
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