Thursday, April 19, 2007

O Colosso de Cacilhas

Rosnam hordas de antanho a abrandarem navegações no Tagus. O rio, hostil, quase descansa as suas correntes e ordena aos ventos que não soprem favoravelmente os estranhos. Remem, porcos. A neblina cobre as margens e os sons vêem-se melhor do que as visões, pois estas não se esticam além de três palmos. Acima, tão longe, para lá da curva das brisas, as feições disformes do Colosso de Cacilhas, tão disformes que quase não são feições, oitenta metros acima das vagas da barra e sobranceiras sobre as próprias nuvens. Os homens rendem as armas carcomidas pela ferrugem, entopem-se de medo, olham-se, bêbados com a realidade. É a primeira vez nas paragens e há gente à espreita sem que se saiba de onde.

Assombrosa a visão do Colosso, construído entre 340 e 320 a. C, magnificente alucinação de bronze, com um descomunal pé no Ginjalium e outro em Alcantarium, cidades penhoradas no esplendor comercial da magnânime Cacilheirumaran, de onde todas as estradas de mar e terra partem. Na urbe dos príncipes-poetas, as mulheres desmaiam aos pés dos fidalgos das palavras mágicas, embevecidas pelas rimas e pela profundidades das coisas, mais fundas do que os abismos desconhecidos do mar, que, dizem os sábios, permitem aos ousados que neles mergulhem passar de um oceano para outro oceano do Mundo Achado.

Acostam lentamente os plebeus vindos de lugares sem nome. Apresentam trapos e medo, corteses à medida que passam entre as pernas do Colosso. À sua espera ninguém, de tão inofensiva parecença. As esposas riem-se das tristes figuras dos visitantes, abraçadas aos braços e pernas fortes dos príncipes-poetas. Tratam as visitas como homens menores, cães, doentes.

Conta-se que um cataclismo dizimou Cacilheirumaran, Ginjalium e Alcantarium e que as ondas encharcaram a afortunada terra dos príncipes-poetas. Hoje, 2007, ouvem-se tantas vezes sons que borbulham debaixo do rio, entre lodos e lamas, nem os mais corajosos peixes se avizinham dos pedaços de bronze, morrem longe.

Avisa o Oráculo que o Colosso ressurgirá da água para voltar a erguer-se entre as margens do Tagus, arruinará a ponte que hoje o substitui, fundará as cidades das lendas, Almadacrulium, Margemsuliacrum e Daweaselaquis. Voltará a assumir-se como prodígio dos mundos, no dia sete do sete de dois mil e sete. Tremei, mal-cheirosas hordas de antanho.

2 comments:

Mia said...

Tens que começar a vir de carro para Lisboa.

(É verdade, já sabes que já me mudei para Alcantarium? Tens que ir lá a casa! Grande falha!)

Lunatic on the grass said...

não sabia, não sabia, a ver se se passa por lá um dia destes. A ver se vemos quantos dias destes é que temos disponíveis no calendário.