Sunday, April 8, 2007

Batman contra Cotton-Man

Um amigo, na faculdade, onde a criatividade está, como se quer, virada do avesso, criou o Cotton-Man, super-herói que disparava mortíferas bolas de cotão recarregadas nos bolsos dos casacos.
Outro amigo, de menos tempo, gasta muito em livros de banda desenhada, descobre-os perdidos nas feiras, limpa-lhes pó, protege-os das nódoas de gordura e das migalhas como do diabo, sabe o que é um número raro, entende serem forma de arte maior. Emprestou-me, num dia destes, um do Batman, de argumento e traço de Frank Miller, chamado The Dark Knight returns, um clássico, garantiu-me. Implorou-me que não lhe dobrasse a lombada e que não me atravesse a lê-lo enquanto comia.
Pessoalmente, li muita BD quando miúdo, parei de o fazer ao ritmo do crescimento e aceitei essa tendência da coisa: os adultos deixam de ler banda desenhada, desiludem-se com as possibilidades que ela abria. O que antes parecia existir num outro espaço e tempo, deixa, simplesmente, de ser possível.
Ainda assim, esforço-me por preservar o fascínio pelos senhores das capas e uniformes, pelos traumas e pela solidão causada pelas vidas duplas. Curiosa dicotomia: ser duas pessoas e ao mesmo tempo só.
Vejo os filmes. Gosto do Batman — lembrei-me da preferência agora que tenho o livro marcante para ler —, porque não tem poderes especiais, é humano, engenhoso. E tem, inegavelmente, o fato com mais pinta, o carro mais impressionante e uma ligação com uma miúda que se veste de gata.
Acho que também isso mudou em mim: quando era miúdo ambicionava super-poderes; hoje, adulto, quero ser humano e engenhoso, ter um fato com pinta e acharia muito bem se as miúdas andassem vestidas de gata. Por mais Andrew-Lloyd-Webberiano que isso me torne. O que em miúdo era carnavalesco, ganha, estranhamente, carga erótica a caminho dos trinta anos.
Mas ser o Cotton-Man, caraças, atirar bolas de cotão aos gajos, aos maus, pum pum pum pum, fogo, isso é que era.

No comments: