Tuesday, April 7, 2009

Tratado de Ana Malhoa

Pre scriptum: não sei porque justifico as minhas ausências se ninguém me dá pelas faltas, mas ainda assim: preguiça que durou um mês e agora acabou.

Tratado de Ana Malhoa, agora sim, uma conversa séria e sem entradas rotas em latim como pre scriptum.

Estava eu numa lufa-lufa a pesquisar pela internet fora sobre José Malhoa, o pintor, quando fui parar a uma intervenção de Ana Malhoa, a pintada.

É mentira, busquei coisas sobre Ana Malhoa, mas achei que esta seria a melhor justificação possível, dizer que procurava a arte de José Malhoa, que não o pai das 24 rosas numa jarra, ainda que seja também artista. Enfim: art is what you can get away with, dizia Andy Warhol, mas não nos percamos.

Respeito Ana Malhoa mais pelas formas do que pelos conteúdos, mas respeito.

Agora, de todas as formas que, sinto, dona Malhoa me poderia surpreender, jamais pensei que pudesse enriquecer-me o vocabulário, sobretudo numa vertente que eu tanto venero, como o vernáculo.

«Trataram-me como se fosse uma rasgada, como se fosse uma prostituta, mas sou uma artista», rebelou-se Malhoa — escrevi rebelou-se, de rebelar, de insurgir; não escrevi revelou-se — a propósito de uma divergência antiga com um programa de nome Portugal no Coração, que, dizia ela, a não tinha convidado para actuar por pressões de preconceituosos puritanos e, acrescento, aquilo a que tecnicamente se chamam parvos.

O que está aqui em causa para mim, todavia, é o uso do termo rasgada, que considero reformador. Logo eu, que me julgo competitivo ao nível da ofensa, sobretudo escrita, porque oralmente sou mudo assim que estala uma altercação e não consigo falar quando me enervo e é só por isso que desato aos tiros ou, na falta de balas, atiro pedras.

Logo eu, relembro, jamais ouvira a expressão «uma rasgada». Percebi, ou julgo ter percebido, o alcance do termo e é sobre ele que me debruço agora, deixando a oradora, dona Malhoa, para trás, porque afinal só serviu para me introduzir aqui. Estranha escolha de termos, esta última.

Rasgada é, talvez, a injúria mais vanguardista que escutei não apenas na televisão, mas também na vida profissional ou pessoal. Rasgada. E ao dizer escutei não quero dizer que a mim tenha sido dirigida, apenas que a tenha ouvido. Acho brilhante como ofensa, a força e a duração do érre, a imaginação de mão na anca, a peixeirada de Bolhão ou Ribeira. Soa-me a gritaria de alemães que, na minha ignorância, não entendo e julgo estarem sempre a discutir ou a tentar desesperadamente cuspir batatas a ferver que alguém lhes enfiou à bruta na boca.

Pelo que comecei a usar o termo rasgada indiscriminada e injustamente. Por estes dias, sou capaz de dizer «essa gaja é uma rasgada» à mais inocente das senhoras que apareça na televisão, só pelo simples prazer de saborear a expressão em toda a sua sonoridade e significado.

Jamais imaginei que alguém que ainda há poucos anos soletrava o a e i o u numa canção me enriquecesse desta forma o vocabulário. Quando à aplicabilidade da expressão a quem ma tornou possível, nada posso concluir, evidentemente. Até porque quando procuro Malhoa na net é sempre em busca de óleo sobre tela.

3 comments:

Pim said...

O meu amigo, como habitualmente, é sempre a rasgar!
Viva a Ana Malhoa, rasgada ou não!

Citando-a: «E tudo começou no A, a-a-a!» E algures chegou ao RRRR

P.S. (desculpa lá a cena do latim...): Sabe de facto muito bem dizer Rrrrrasgada!

Alexandre Pereira said...

Um texto rasgadinho, por assim dizer

Lunatic on the grass said...

hehehe. nem vítor manuel o diria melhor, rasgadinho.