Jamais se enganava no lado para onde abria a porta do elevador. Havia duas no prédio, cada qual abria para seu lado, mas ele sabia sempre em qual estava, castanho claro, a pingar baba da língua depois do passeio a correr pela rua.
Ao dono diziam-lhe que o cão estava gasto, que os catorze anos que tinha eram na verdade multiplicados por sete, que o seu cão tinha 98 anos, era muito velho. Era uma espécie de tempo que passou mais depressa.
O dono respondia que dos gatos também contam que têm sete vidas e que se ele na verdade matasse um gato este morreria mesmo e não ficaria à espera de viver mais seis. Isso dos cães só podia ser mentira.
Até que um dia ao subir da rua, depois de a muito custo ter subido dois degraus da escada, passando lentamente umas patas e só depois as outras quando antes subia os degraus num salto, o cão enganou-se na porta do elevador. Era a que abria para a esquerda e ele ficou a olhar para o lado direito, com o focinho quase enfiado nas dobradiças.
Foi então que o dono percebeu enfim o tempo que o animal trazia consigo. Uma dor foram sete dores, o estômago torcido como se fosse um trapo que está molhado e se quer apenas húmido.
Começou nesse dia a dizer-lhe adeus, aos bocadinhos, a dizer-lhe adeus muito baixinho para as suas orelhas grandes, para ninguém ouvir, entre puxares de bigodes no focinho e olhares que os gatos não sabem olhar. Um adeus em que nenhum se vai realmente embora, em que ficam ali, com uma idade qualquer que não morre. Assim, quando o adeus vier mesmo, acreditarão que permanecem, num adeus a fingir, multiplicando a vida como gatos. Uma morte será apenas uma morte, nenhuma morte serão sete mortes.