Sunday, April 26, 2009
Sunday, April 19, 2009
Havia um teclado que só tinha números e não tinha letras, pelo que as frases que dele saíam para o ecrã nada mais eram do que contas mal feitas. Mas pior do que isso, quem as lia era um abutre vegetariano, que só comia alfaces estragadas, pelo que ao perceber que ali havia qualquer coisa que não batia certo, foi direito à parede e começou às cabeçadas até que o vizinho do lado, que estava sentado numa nuvem de fumo a fumar cigarros de ananás, foi pegar no cabo da vassoura, varreu o chão que já precisava e de repente atirou-se da janela do rés-do-chão, mas a queda até ao piso menos quatro do edifício partiu-lhe uma perna. Posto isto, ao chegar ao hospital, arrancou a cabeça da porteira, que era feita de chocolate, mas não ficou muito admirado, porque no céu debaixo dele passavam gaiolas sem pássaros. Os pássaros, evidentemente, estavam no lago a fugir dos peixes voadores que queriam era aprender a nadar no alcatrão ao lado das bicicletas.
Para não variar, chegou a polícia e disse: «Está tudo preso.» Eu, que ia apenas a passar em forma de sombra, apaguei as luzes da rua e, sem luzes, ninguém me podia ver, porque eu era uma sombra e as sombras, mesmo que escrevam em teclados que só têm números e não letras, que ironia, só aparecem quando há luzes e não faz por isso sentido que alguém diga que tem medo de sombras que à noite lhe aparecem no quarto escuro. Nisto, passa o comboio que ia para a Patagónia, cheio de trapezistas russas e de jogadoras de voleibol italianas, contudo a dizerem, em francês, que iam parar em todos os apeadeiros e que a viagem ia ser longa. Caramba, pensei eu, que só era visto porque havia um candeeiro a petróleo que, sacana, se escondia atrás de mim para os outros me verem. Entrei, porém, no vagão e lá dentro, afinal, nem trapezistas nem voleibolistas, apenas interruptores com dedadas de mandril e uns cães enfezados que diziam uns para os outros que os ensinamentos de Heiddegger não eram nada fáceis de dividir em momentos. E dizia o outro cão, já chateado com tanta parvoíce: «Miau, mas é, que vocês nem falar sabem, quanto mais escrever nestes teclados de números!»
Em chegando à estação, estava lá toda a gente do Mundo inteiro, um bocado apertados porque são muitos e a estação tinha uma sala de espera pequena, mas eu, assim a atirar para o sombreado, agradeci a todos a presença, porque a viagem, parecendo que não, tinha durado bem mais do que um aguaceiro. E alguém, lá no meio dos alguéns, me disse: «Lá estás tu a confundir o tempo com a meteorologia, porque os relógios não dão dias de sol, caraças!» Ficaram à espera da resposta, mas achei que o melhor era gritar golo, todavia disseram-me que tinha sido claramente falta de um telefone com fios que julgava que era um telemóvel e andava de um bolso para o outro a fazer rasteiras com o fio a julgar que ninguém dava por ele. O cabrão! Fomos todos embora, que a sala era, relembro, apertada, e lá fora começámos a respirar copos de água e um forreta disse: «Eu não pago uma rodada a esta malta toda, que ainda me custa alguns dois livros feitos de espuma de Super Bock.» Bem, foi tal a confusão que quando dei por mim estava aqui e a pensar numa maneira de voltar.
Para não variar, chegou a polícia e disse: «Está tudo preso.» Eu, que ia apenas a passar em forma de sombra, apaguei as luzes da rua e, sem luzes, ninguém me podia ver, porque eu era uma sombra e as sombras, mesmo que escrevam em teclados que só têm números e não letras, que ironia, só aparecem quando há luzes e não faz por isso sentido que alguém diga que tem medo de sombras que à noite lhe aparecem no quarto escuro. Nisto, passa o comboio que ia para a Patagónia, cheio de trapezistas russas e de jogadoras de voleibol italianas, contudo a dizerem, em francês, que iam parar em todos os apeadeiros e que a viagem ia ser longa. Caramba, pensei eu, que só era visto porque havia um candeeiro a petróleo que, sacana, se escondia atrás de mim para os outros me verem. Entrei, porém, no vagão e lá dentro, afinal, nem trapezistas nem voleibolistas, apenas interruptores com dedadas de mandril e uns cães enfezados que diziam uns para os outros que os ensinamentos de Heiddegger não eram nada fáceis de dividir em momentos. E dizia o outro cão, já chateado com tanta parvoíce: «Miau, mas é, que vocês nem falar sabem, quanto mais escrever nestes teclados de números!»
Em chegando à estação, estava lá toda a gente do Mundo inteiro, um bocado apertados porque são muitos e a estação tinha uma sala de espera pequena, mas eu, assim a atirar para o sombreado, agradeci a todos a presença, porque a viagem, parecendo que não, tinha durado bem mais do que um aguaceiro. E alguém, lá no meio dos alguéns, me disse: «Lá estás tu a confundir o tempo com a meteorologia, porque os relógios não dão dias de sol, caraças!» Ficaram à espera da resposta, mas achei que o melhor era gritar golo, todavia disseram-me que tinha sido claramente falta de um telefone com fios que julgava que era um telemóvel e andava de um bolso para o outro a fazer rasteiras com o fio a julgar que ninguém dava por ele. O cabrão! Fomos todos embora, que a sala era, relembro, apertada, e lá fora começámos a respirar copos de água e um forreta disse: «Eu não pago uma rodada a esta malta toda, que ainda me custa alguns dois livros feitos de espuma de Super Bock.» Bem, foi tal a confusão que quando dei por mim estava aqui e a pensar numa maneira de voltar.
Flatulência, uma conspiração
Se há coisa que os meus textos têm de muito razoável é que, por mal que soem ou por pouco sentido que façam, não cheiram.
Talvez por essa característica inodora destas minhas linhas me atreva a escrever sobre algo que num dia destes pensei, solitário, numa rua de Lisboa: será que os outros quando caminham sós arriscam, aqui e ali, peidar-se? Ou serei uma besta que ousa fazê-lo, admitindo a via pública por privada; e os outros, mesmo sozinhos, jamais cedem à tentação da flatulência?
Ignoro.
Não valeria a pena discorrer sobre a evidência dos gases que entram e dos que se formam dentro e da forma como se expelem; nem lembrar as variantes culturais do peido, aqui ofensa, alhures elogio.
O que vale a pena é perceber por que razão de um momento para o outro me encheram os pneus do carro com azoto, penso eu que tentando insinuar que o meu automóvel, de velhinho, se peida pelas rodas.
- Vantagens de encher os pneus de azoto? Três – disse-me o mecânico da Norauto – mantêm firmeza e desgastam-se menos, esvaziam-se mais lentamente e fazem menos barulho.
Aceitei. Porém continuo sem saber se os outros carros, mesmo sozinhos na garagem, se esvaziam sem ninguém saber pelas câmaras de ar.
Talvez por essa característica inodora destas minhas linhas me atreva a escrever sobre algo que num dia destes pensei, solitário, numa rua de Lisboa: será que os outros quando caminham sós arriscam, aqui e ali, peidar-se? Ou serei uma besta que ousa fazê-lo, admitindo a via pública por privada; e os outros, mesmo sozinhos, jamais cedem à tentação da flatulência?
Ignoro.
Não valeria a pena discorrer sobre a evidência dos gases que entram e dos que se formam dentro e da forma como se expelem; nem lembrar as variantes culturais do peido, aqui ofensa, alhures elogio.
O que vale a pena é perceber por que razão de um momento para o outro me encheram os pneus do carro com azoto, penso eu que tentando insinuar que o meu automóvel, de velhinho, se peida pelas rodas.
- Vantagens de encher os pneus de azoto? Três – disse-me o mecânico da Norauto – mantêm firmeza e desgastam-se menos, esvaziam-se mais lentamente e fazem menos barulho.
Aceitei. Porém continuo sem saber se os outros carros, mesmo sozinhos na garagem, se esvaziam sem ninguém saber pelas câmaras de ar.
Saturday, April 18, 2009
Pirataria
Pá, aqueles piratas da Somália fazem como para piratear: aquilo os gajos, pá, vão a certos e determinados sites e sacam os barcos sem pagar nada em vez de pagar os barcos que estão à venda nas lojas.
Tuesday, April 7, 2009
Tratado de Ana Malhoa
Pre scriptum: não sei porque justifico as minhas ausências se ninguém me dá pelas faltas, mas ainda assim: preguiça que durou um mês e agora acabou.
Tratado de Ana Malhoa, agora sim, uma conversa séria e sem entradas rotas em latim como pre scriptum.
Estava eu numa lufa-lufa a pesquisar pela internet fora sobre José Malhoa, o pintor, quando fui parar a uma intervenção de Ana Malhoa, a pintada.
É mentira, busquei coisas sobre Ana Malhoa, mas achei que esta seria a melhor justificação possível, dizer que procurava a arte de José Malhoa, que não o pai das 24 rosas numa jarra, ainda que seja também artista. Enfim: art is what you can get away with, dizia Andy Warhol, mas não nos percamos.
Respeito Ana Malhoa mais pelas formas do que pelos conteúdos, mas respeito.
Agora, de todas as formas que, sinto, dona Malhoa me poderia surpreender, jamais pensei que pudesse enriquecer-me o vocabulário, sobretudo numa vertente que eu tanto venero, como o vernáculo.
«Trataram-me como se fosse uma rasgada, como se fosse uma prostituta, mas sou uma artista», rebelou-se Malhoa — escrevi rebelou-se, de rebelar, de insurgir; não escrevi revelou-se — a propósito de uma divergência antiga com um programa de nome Portugal no Coração, que, dizia ela, a não tinha convidado para actuar por pressões de preconceituosos puritanos e, acrescento, aquilo a que tecnicamente se chamam parvos.
O que está aqui em causa para mim, todavia, é o uso do termo rasgada, que considero reformador. Logo eu, que me julgo competitivo ao nível da ofensa, sobretudo escrita, porque oralmente sou mudo assim que estala uma altercação e não consigo falar quando me enervo e é só por isso que desato aos tiros ou, na falta de balas, atiro pedras.
Logo eu, relembro, jamais ouvira a expressão «uma rasgada». Percebi, ou julgo ter percebido, o alcance do termo e é sobre ele que me debruço agora, deixando a oradora, dona Malhoa, para trás, porque afinal só serviu para me introduzir aqui. Estranha escolha de termos, esta última.
Rasgada é, talvez, a injúria mais vanguardista que escutei não apenas na televisão, mas também na vida profissional ou pessoal. Rasgada. E ao dizer escutei não quero dizer que a mim tenha sido dirigida, apenas que a tenha ouvido. Acho brilhante como ofensa, a força e a duração do érre, a imaginação de mão na anca, a peixeirada de Bolhão ou Ribeira. Soa-me a gritaria de alemães que, na minha ignorância, não entendo e julgo estarem sempre a discutir ou a tentar desesperadamente cuspir batatas a ferver que alguém lhes enfiou à bruta na boca.
Pelo que comecei a usar o termo rasgada indiscriminada e injustamente. Por estes dias, sou capaz de dizer «essa gaja é uma rasgada» à mais inocente das senhoras que apareça na televisão, só pelo simples prazer de saborear a expressão em toda a sua sonoridade e significado.
Jamais imaginei que alguém que ainda há poucos anos soletrava o a e i o u numa canção me enriquecesse desta forma o vocabulário. Quando à aplicabilidade da expressão a quem ma tornou possível, nada posso concluir, evidentemente. Até porque quando procuro Malhoa na net é sempre em busca de óleo sobre tela.
Tratado de Ana Malhoa, agora sim, uma conversa séria e sem entradas rotas em latim como pre scriptum.
Estava eu numa lufa-lufa a pesquisar pela internet fora sobre José Malhoa, o pintor, quando fui parar a uma intervenção de Ana Malhoa, a pintada.
É mentira, busquei coisas sobre Ana Malhoa, mas achei que esta seria a melhor justificação possível, dizer que procurava a arte de José Malhoa, que não o pai das 24 rosas numa jarra, ainda que seja também artista. Enfim: art is what you can get away with, dizia Andy Warhol, mas não nos percamos.
Respeito Ana Malhoa mais pelas formas do que pelos conteúdos, mas respeito.
Agora, de todas as formas que, sinto, dona Malhoa me poderia surpreender, jamais pensei que pudesse enriquecer-me o vocabulário, sobretudo numa vertente que eu tanto venero, como o vernáculo.
«Trataram-me como se fosse uma rasgada, como se fosse uma prostituta, mas sou uma artista», rebelou-se Malhoa — escrevi rebelou-se, de rebelar, de insurgir; não escrevi revelou-se — a propósito de uma divergência antiga com um programa de nome Portugal no Coração, que, dizia ela, a não tinha convidado para actuar por pressões de preconceituosos puritanos e, acrescento, aquilo a que tecnicamente se chamam parvos.
O que está aqui em causa para mim, todavia, é o uso do termo rasgada, que considero reformador. Logo eu, que me julgo competitivo ao nível da ofensa, sobretudo escrita, porque oralmente sou mudo assim que estala uma altercação e não consigo falar quando me enervo e é só por isso que desato aos tiros ou, na falta de balas, atiro pedras.
Logo eu, relembro, jamais ouvira a expressão «uma rasgada». Percebi, ou julgo ter percebido, o alcance do termo e é sobre ele que me debruço agora, deixando a oradora, dona Malhoa, para trás, porque afinal só serviu para me introduzir aqui. Estranha escolha de termos, esta última.
Rasgada é, talvez, a injúria mais vanguardista que escutei não apenas na televisão, mas também na vida profissional ou pessoal. Rasgada. E ao dizer escutei não quero dizer que a mim tenha sido dirigida, apenas que a tenha ouvido. Acho brilhante como ofensa, a força e a duração do érre, a imaginação de mão na anca, a peixeirada de Bolhão ou Ribeira. Soa-me a gritaria de alemães que, na minha ignorância, não entendo e julgo estarem sempre a discutir ou a tentar desesperadamente cuspir batatas a ferver que alguém lhes enfiou à bruta na boca.
Pelo que comecei a usar o termo rasgada indiscriminada e injustamente. Por estes dias, sou capaz de dizer «essa gaja é uma rasgada» à mais inocente das senhoras que apareça na televisão, só pelo simples prazer de saborear a expressão em toda a sua sonoridade e significado.
Jamais imaginei que alguém que ainda há poucos anos soletrava o a e i o u numa canção me enriquecesse desta forma o vocabulário. Quando à aplicabilidade da expressão a quem ma tornou possível, nada posso concluir, evidentemente. Até porque quando procuro Malhoa na net é sempre em busca de óleo sobre tela.
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